Maria Arménia Madail da Silva - 2015
Cheguei já eram cinco da tarde. Tarde sombria e carregada de um nevoeiro que
mal dava para ver o mausoléu. Passos decisivos aproximaram-me de uma laje com
uma foto esbatida.
Tinha acontecido há quarenta anos atrás, era um jovem
apaixonado por bailado e nesse dia tinha adquirido bilhete para ver a companhia
de bailado de Nevesk: O Lago dos Cisnes. Sentara-me na plateia e deslumbrado assisti ao espetáculo. O
encanto daquela linguagem gestual fazia-me sentir leve e transportado para o
limbo das minhas recordações: outrora fora um bailarino de sucesso, mas uma
doença rara roubara-me esse sonho. A meu lado ouvi “ Esta é a bailarina que trocou o marido
quando soube que ele não podia voltar a dançar? - Sim. Shiiiiiiu!”
O quarto ato
decorria ao som da música de Tchaikovsky
e Siegfried envolvia, num
prenúncio de morte, o grito de Odette, um amor além da vida. O corpo contorcido
em dor deixou-se embrulhar em forma de cisne e uma corrente lenta de sangue deslizou, lentamente, pelo braço
alvo de Odette. Siegfried sentiu o peso daquele corpo frágil e depositou-o no
chão. O público extasiado com a veracidade daquela dança - cisne enlouquecido e em desespero
por um amor proibido – aplaudiu de pé e em ovação.
Senti-me reconfortado. Regressei a casa.
Aquela foto lapidada na pedra marmórea perdia a cor. Os olhos plúmbeos, baços e lacrimejantes
não desapareciam. Teimavam em não desaparecer. Todos os anos. E todos os anos
me dirigia lá procurando uma resposta naquele olhar. Porquê?
No dia seguinte os jornais revelavam que a protagonista do
Lago dos Cisnes tinha sido alvejada com um tiro silencioso vindo da plateia.
Que perda!
E os olhos daquela foto que teimavam em não desaparecer
deixaram cair uma gotícula ensanguentada.
Pousei a tulipa negra junto da foto. Dei meia volta e
regressei ao carro com um sorriso de escárnio: “Porquê?
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