quarta-feira, 12 de agosto de 2015


Maria Arménia Madail da Silva - 2015
Cheguei já eram cinco da tarde. Tarde  sombria e carregada de um nevoeiro que mal dava para ver o mausoléu. Passos decisivos aproximaram-me de uma laje com uma foto esbatida.
Tinha acontecido há quarenta anos atrás, era um jovem apaixonado por bailado e nesse dia tinha adquirido bilhete para ver a companhia de bailado de Nevesk: O Lago dos Cisnes. Sentara-me na plateia e  deslumbrado assisti ao espetáculo. O encanto daquela linguagem gestual fazia-me sentir leve e transportado para o limbo das minhas recordações: outrora fora um bailarino de sucesso, mas uma doença rara roubara-me esse sonho.  A meu lado ouvi “ Esta é a bailarina que trocou o marido quando soube que ele não podia voltar a dançar?  - Sim. Shiiiiiiu!”
 O quarto ato decorria ao som da música de Tchaikovsky  e Siegfried  envolvia, num prenúncio de morte, o grito de Odette, um amor além da vida. O corpo contorcido em dor deixou-se embrulhar em forma de cisne e  uma corrente lenta de sangue deslizou, lentamente, pelo braço alvo de Odette. Siegfried sentiu o peso daquele corpo frágil e depositou-o no chão. O público extasiado com a veracidade daquela dança -   cisne enlouquecido e em desespero por um amor proibido – aplaudiu de pé e em ovação.
Senti-me reconfortado. Regressei a casa.
Aquela foto lapidada na pedra marmórea  perdia a cor.  Os olhos plúmbeos, baços e lacrimejantes não desapareciam. Teimavam em não desaparecer. Todos os anos. E todos os anos me dirigia lá procurando uma resposta naquele olhar. Porquê?
No dia seguinte os jornais revelavam que a protagonista do Lago dos Cisnes tinha sido alvejada com um tiro silencioso vindo da plateia. Que perda!
E os olhos daquela foto que teimavam em não desaparecer deixaram cair uma gotícula ensanguentada.
Pousei a tulipa negra junto da foto. Dei meia volta e regressei ao carro com um sorriso de escárnio: “Porquê?

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