sexta-feira, 11 de setembro de 2015


E é assim: vamos ao circo.
Ver o quê?
Os palhaços ricos. Os palhaços pobres. Vamos rir muito!
E os malabaristas? E os trapezistas?
...e os ilusionistas!
Há elefantes brincalhões?
E cãezinhos equilibristas.
Quando vamos lá?
Amanhã à tarde.
Há cavalos voadores?
E meninos sonhadores.
Vou gostar de ver. Nunca vi nenhum.
Nenhum menino sonhador?
Um circo verdadeiro.
Um circo verdadeiro.
Comemos um gelado? Bebemos uma coca - cola? Ou compramos pipocas?
Tudo que quiseres, meu amor!
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Encontrei a tranquilidade  no dia em decidi enfrentar a tua perda. Sim, a tua perda havia-me tirado a tranquilidade. Desejei muitas vezes atravessar aquela porta do vão das escadas que levavam ao sótão. O sótão onde os nossos lábios se tocavam, onde nos namorávamos com medo que o mundo desabasse e nunca mais nos encontrássemos.
Hoje voltei lá. Calmamente abri o baú onde repousam as tuas cartas. Cartas de eterno amor. Cartas de eterno amor que me davam o alento para suportar a tua ausência.  Maldita guerra que me roubou a tua presença. E hoje, hoje a tua ausência é mais prolongada. Não esqueças amor: dentro em breve, muito em breve estarei de novo contigo. Tive que vir aqui. Tive que reler as tuas promessas de que me abraçarias num abraço longo até sempre. E foste embora tão devagar... Sabes o que encontrei? Aquele elixir! Aquele, sabes? ... acabei de o tomar e adormecidamente escrevo para te dizer: estou a chegar!

Lembro-me perfeitamente. Todas as quintas feiras, às três da tarde, a campainha de casa dos meus avós fazia-se ouvir interruptamente. A figura franzina de Mlle Claire entrava em passos silenciosos deixando ouvir lá ao fundo um “Boa Tarrrde!” e dirigia-se à sala de música onde eu a esperava no banquinho em frente ao piano. Levantava-me para me debruçar numa vénia e voltar a sentar.
Todas as quintas feiras tinha de ouvir: Attention! C’est le Si, pas le Fá. E os dedos de Mlle pousavam em cima dos meus. Fechava os olhos e franzia a testa de modo a não ouvir o estalido daquelas enormes unhas de gelinho. Os dentes pareciam arrepiar-se como se areia estivessem a trincar.
Certo dia, depois de muito treinar consegui compor uma música e apresentá-la a Mlle Claire.
E  chegou numa quinta feira, às três da tarde e lá estava eu sentada para fazer a minha apresentação.
Desta vez, Mlle Claire sentou-se ao meu lado, no banquinho e comecei: dó, dó, dó, ré, ré, ré, mi. mi. mi .fá, fá, fá, sol, sol sol, lá si, si, si... Repeti estas notas vinte e sete vezes. Quando acabei, levantei-me. Fiz uma vénia de agradecimento. Os meus olhos calados, sorridentes e trémulos de ansiedade procuraram as mãos de Mlle. As mãos não estavam pousadas no colo e, atrevidamente, ousei erguer mais a cabeça. Qual não foi o meu espanto - havia conseguido: as unhas de gelinho que tocavam nas minhas mãos levando-as às teclas do piano estavam a desfazer-se. O decoro de Mlle Claire caíra. Entre um sorriso e um esgar de medo reparei que Mlle havia roído as unhas qual fora o desespero daquela minha ária.