Estávamos no ano de 1966.
A revolução, ainda, estava quente.
Nesse verão, os dias e as noites sucediam-se em tertúlias sobre variados temas
e a euforia de se querer viver tudo de uma só vez levava-nos ao impossível. O
amor despertava em nossos adolescentes corpos que fervilhavam ao mais leve
toque. E foi numa dessas noites -
já os copos se haviam esvaziado e os
nossos sentidos estavam inebriados e desinibidos – que a descoberta se fez.
Dias, semanas, talvez um ou dois anos e a vida estudantil acabou. O regresso a
casa naquele comboio que subia e descia socalcos deixava para trás a paisagem
citadina levando-me a uma miragem verde e florida de uma aldeia , quase
esquecida no meio do nada. Fechei o livro e concentrei-me naquela janela que
salpicava de vez em quando quadros campestres há muito escondidos na minha
memória. O coração partido de amor logo se colou e palpitou. Esquecera por
algum tempo os anos passados e relembrei outros, ainda, mais longínquos: a ida
para a escola – através dos carreiros – em dias de chuva, em dias de frio, em
dias de sol. A merenda, no saquinho de linho, numa mão e a sacola dos livros na
outra, a espera e o encontros dos
seis rapazes que me acompanhavam, todos os dias e lá mais à frente a Maria Rita
juntava-se-nos e lá íamos.
Que pureza! É aqui que eu vou
ficar.
O comboio começou a abrandar e
parou na estação cheia de hortênsias – as mesmas – e eu saí.