quinta-feira, 27 de fevereiro de 2014


Uma brisa subiu-lhe até à cúspide do corpo.  A vida escorregava-lhe pelo corpo abaixo e abandonava-a – como a sombra que deixou pra trás esse corpo – e ficou na mais perfeita solidão.  Joana  relembrou aquela memória da juventude que, inesperadamente, lhe entrara pela vida adentro umas horas antes:  aquele respirar  ofegante -  o dia em que o beijo inocente dos seus dez anos mudou por completo  a sua vida. Casara com João : pensava em Luís!
Quando Antero - agora com dezoito anos – entrou na penumbra da sala, Joana sentiu uma culpa dolorosa. Os olhos verdes de Antero emanavam o verde daquela tarde insaciável : o passeio com Luís; o desabrochar de uma flor -  indecisa: avançar ou recuar? Este filho, de estatura atlética, de ar doce não a  deixa esquecer. A dor aperta-lhe o coração e a voz sai-lhe sumida:
-Esquece o que perguntei, filho. As violetas entontecem-me: o cheiro impregna-se na minha pele; nos meus sentidos e leva-me ao passado.
 As mãos carinhosas de Antero pousaram nos cabelos de Joana e afagaram-nos:
-        Mãe, que te atormenta? O pai já partiu há muito: lembras-te? Que segredo guarda a carta que tanto esmagas - no peito?



Sem comentários:

Enviar um comentário