domingo, 9 de março de 2014


… numa noite envolta num véu esbranquiçado e enquanto a aldeia dormia, o circo montou a tenda no adro da igreja.
A menina que, ainda, estudava junto da janela do seu quarto - que dava para a praça - , ouviu um sussurro; descansou o seu lápis e borracha ao lado do caderno de exercícios; seguiu o som - vindo da rua - e espreitou pelas vidraças embaciadas. Não quis acreditar no que via: silenciosamente movimentavam-se sombras fantasmagóricas, numa azáfama intranquila. A rapariga de corpo esquelético corria de um lado para o outro levando e trazendo uns papéis coloridos; o homem de barba azul namorava a mulher sapo e combinavam os truques que iriam fazer desaparecer os lenços; o senhor das pombas adormeceu no meio do treino do ilusionismo e, eu a menina de olhos sedentos de curiosidade, adormeci tranquilamente… a noite seguinte seria uma noite inesquecível! Os saltimbancos e... e.. os palhaços estão na aldeia…
E fui - na noite seguinte - ver. E surpreendeu-me: aqueles olhos brilhantes como estrelas no céu, aquele fato esfarrapado e remendado, aqueles longos sapatos de múltiplas cores, aquele nariz vermelho e as travessuras. E surpreendeu-me e surpreende-me - ainda hoje - aquela figura que faz rir e que quando despe a sua personagem chora as suas perdas; sofre a solidão; sente a sua timidez; acolhe com um sorriso os escárnios; segue - melancolicamente - as pessoas que recolhem a suas casas; sente as mãos tremer; o coração pular quando vê crianças nos recreios prontas a voltar à sala de aula: "como gostaria de saber ler e escrever." Um dia – talvez!

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